Para começo de conversa
A partir dos anos 1950, novos comportamentos e procedimentos passaram a evidenciar-se no âmbito da cultura ocidental. Nos países desenvolvidos destacam-se, sobretudo, o crescimento da sociedade de consumo (burguesia), a valorização da prevalência do impulso e da espontaneidade sobre a razão (“só o impulso e o prazer são reais e afirmativos da vida; o resto é neurose e morte”, afirma Daniel Bell (1976, p. 51-2)), influência da tecnociência no comportamento social, presença marcante da informação na caracterização da visão de mundo dos indivíduos, estetização e personalização dos objetos, multifragmentação social, exigência de profissionais qualificados, presença do capitalismo multinacional, dentre outras coisas. Ao conjunto de todas estas mudanças no âmbito socio-político-econômico-cultural deu-se o nome de Pós-Modernismo. Nesse sentido, o Pós-Modernismo envolveria as mudanças que vêm marcando o mundo ocidental desde 1950 até a atualidade.
No caso da literatura, o Pós-Modernismo se singulariza por possuir uma concepção lúdica de arte, por uma fragmentarismo textual (preferência pela fratura do texto), por ênfase na metalinguagem e por uma tendência à utilização deliberada da intertextualidade, quase sempre acompanhada de forte sentido irônico, como ressalta Umberto Eco (1985, p. 56-7). No que diz respeito às produções literárias pós-modernistas, conforme Domício Proença (1989, p. 373-391), as mesmas quadram-se em movimentos como o Concretismo, o Neoconcretismo, a Literatura-praxis, o Poema/processo, o Tropicalismo e a Poesia Marginal.
O Concretismo, ainda segundo Domício Proença, pretende ser “projeto geral de nova informação estética, inscrito em cheio no horizonte de nova civilização técnica, situado em nosso tempo, humana e vivencialmente presente”. Os poemas concretos, apoiados na palavra “coisa”, nela se centralizam, num procedimento antidiscursivo, caracterizando-se por uma estruturação óptico-sonora, irreversível e funcional e, por assim dizer, geradora de idéia, criando uma entidade todo-dinâmica de palavras dúcteis, moldáveis, amalgamáveis, à disposição do poema. Deste movimento, destacam-se poetas como Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, etc.
O Neoconcretismo surgiu de uma primeira cisão no movimento da poesia concreta. E envolve uma tomada de posição relacionada não apenas com a literatura, mas com outras artes, como a pintura, a gravura e a escultura. Pronunciam-se contra o predomínio da tecnocracia, da máquina e da cibernética e propõem-se dimensões metafísicas. Destaque para os poetas Ferreira Gullar (novamente) e Reynaldo Jardim.
O movimento da Literatura-praxis nasceu de uma ruptura no grupo dos concretistas. Para o poeta-praxis, a palavra não é um elemento subsidiário da poesia, é a própria matéria-prima transformável, além disso, o poema não é entendido como objeto estático e fechado, mas como um produto dinâmico, passível de transformação pela interferência ou manipulação do leitor. Participam deste movimento os poetas Mário Chamie e Cassiano Ricardo.
Por sua vez, o movimento do Poema/processo busca uma conscientização pública em oposição às idéias do Estruturalismo. Pretende a instauração de uma nova linguagem, sobretudo, no poema sem palavras. Em Processo: linguagem e comunicação, Wladimir Dias-Pino (1973) afirma “o que o poema de processo reafirma é que o poema se faz com o processo e não com palavras. Importante é o projeto e sua visualização; a palavra pode ser dispensada”, em outros termos, o poema deve explorar também os signos não-verbais. Autores como Lara de Lemos, Afonso Ávila e Affonso Romano de Sant’Anna fazem parte deste movimento inovador.
O Tropicalismo, emergente nos anos 1968, é um movimento tipicamente brasileiro. Trata-se de uma tomada de posição de alguns artistas renovadores na área de diversas atividades, como o teatro, o cinema, as artes plásticas e, sobretudo, a música popular. O movimento incorporou a proposta antropofágica de Oswald de Andrade. Nesse sentido, caracterizou-se por uma dupla dimensão dialética e pretendeu ser, ao mesmo tempo, brasileiro e universal, sem qualquer preconceito estético, apenas vivendo a “tropicalidade”. Na literatura propriamente dita tropicalista, destaque para Torquato Neto e para Wally Salomão; na música, destaque para Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Por fim, o movimento da Poesia Marginal, nascido da década de 70, caracteriza-se por uma poesia feita essencialmente por jovens e marcada por retorno às dimensões conteudísticas e à ampla liberdade de criação e de expressão. Como peculiaridade do movimento, a publicação artesanal dos livros, freqüentemente em equipe, em edições mimeografadas, vendidas em cinemas, bares e lojas. Seria esta uma atitude assumida contra os esquemas industriais das editoras e livrarias, quase sempre fechadas aos textos em verso, sobretudo para os escritores estreantes. Domício Proença (1989, p. 386) afirma estarem os poetas ditos “marginais” afastados da linha esteticista e do formalismo dos movimentos de 50/60, retornando os caminhos abertos pelo Modernismo de 1922. Deste modo, retornam à valorização poética do cotidiano, ao discurso quase prosa, aos fragmentos do instante, ao aproveitamento dos fatos políticos e jornalísticos, sempre em poemas de marcado sentido irônico e humorístico. Em alguns casos, também observa-se a presença de poemas com atitudes neo-românticas, eróticas, ou mesmo, místicas e esotéricas. Da Poesia Marginal, destacam-se escritores como Hilda Hilst, Pedro Lira e, sobretudo, como querem Domício Proença e outros estudiosos de literatura brasileira, o paranaense Paulo Leminski, sobre o qual o presente trabalho se sustentará tendo em vista uma abordagem da sua poética tão pouco analisada em contraposição a sua vasta e curiosa produção, sobretudo no que diz respeito a sua visão humorística a respeito do amor, como se dá no poema Sufoco.
Paulo Leminski
Mestiço de polaco com negra, Paulo Leminski (1944-1989) é natural da cidade de Curitiba, Paraná. Desde os 18 anos de idade, aproximadamente, esteve envolvido com literatura, participando de congressos e concursos em todo o Brasil. Casou-se com a consagrada poetisa Alice Ruiz, com quem teve três filhos. Além de poeta e prosador, Leminski foi também tradutor (traduziu para o espanhol trechos de sua obra Catatau (1975), a qual foi traduzida na íntegra para o espanhol), compositor e letrista, tendo músicas gravadas por Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Paulinho Boca de Cantor, Tom Zé e Moraes Moreira.
Leminski possui um jeito próprio de escrever poesia, preferindo poemas breves, muitas vezes haicais (forma poética de origem japonesa, que valoriza a concisão e a objetividade), trocadilhos e ditos populares, o poeta ficou conhecido, como mencionado anteriormente, como escritor do movimento Poesia Marginal, embora também possua poemas classificados como concretistas. A respeito de ser um poeta marginal, Leminski compõe “marginal é quem escreve à margem,/ deixando branca a página/ para que a paisagem/ passe e deixe tudo claro à sua passagem”. Dentre as sus diversas obras poéticas, como 40 Clics de Curitiba (1976), Polonaises (1980), Caprichos e Relaxos (1983), Distraídos Venceremos (1987) e La Vie en Close (1991), há uma demonstração da genialidade desse paranaense ao expor e explorar variadas temáticas sem deixar de lado a sua marca oficial, a intimidade com o humor.
Para rir e amar
O humor é uma das chaves para a compreensão de culturas, religiões, e costumes das sociedades num sentido amplo, sendo elemento vital para a condição humana. O homem é o único animal que ri (pelo menos racionalmente), e esse riso se transforma através do tempo, acompanhando os costumes e as correntes de pensamento. De época para época, os pensamentos se assemelham ou se diferem, e o humor acompanha essa tendência. Um texto humorístico, como, por exemplo, as comédias gregas de Plauto ou as comédias de costumes do brasileiro Martins Pena são retratos fiéis de uma época e fazem ri de um modo a quem compreende esta época e de um outro modo a ridiculariza ou desconhece esta época. Conforme São Tomás de Aquino, o “ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae” (o humor é necessário à vida humana). Pode-se dizer que Paulo Leminski sendo um poeta pós-modernista tenha escolhido ver todas as mudanças ocorridas no mundo ocidental, as quais já foram aqui referidas, com os olhos do humor, talvez a única solução para enfrentar a vida, os seus lances cotidianos, tais como a amor. Nesse sentido, seja-se o seu poema intitulado Sufoco:
o amor, esse sufoco
agora a pouco era muito
agora apenas um sopro
ah, troço de louco
corações trocando rosas e
socos
Neste pequeno poema composto de seis versos, têm-se características líricas e sentimentalistas, mas estas características não se mostram ortodoxamente como, por exemplo, nos poemas clássicos ou românticos a respeito da temática do amor. Em Sufoco, ousadamente, mistura-se amor e humor. Adentrando num tema tão caro a todos poetas, pode inferir que Leminski declara, entre linhas, estar “farto do lirismo namorador”, do amor idealizado, da versificação sobre a beleza da mulher amada. Diz um basta a tudo isso. O que ele versa é sobre os problemas do cotidiano, sobre o amor que dia e noite se debate entre “rosas e socos”.
Para uma melhor compreensão do poema, cabe ressaltar que o amor é, sobretudo, a pulsão fundamental do ser humano. Tudo existe em nome do amor, até mesmo, e, principalmente, o homem. E como nenhum indivíduo é igual ao outro, há diferentes formas de amor, mas todas estão ligadas a criação. Por criação, entende-se também o conceito dual de sopro. Um sopro é algo que dá vida, mas também é algo que tira a vida ou, no mínimo, macula aquilo que alcança (lembrar que o sopro humano é cheio de impurezas). Da associação amor e sopro, entende-se, portanto, duas alusões à vida, uma do amor e outra do sopro, e uma alusão à morte, ligada ao sopro. Alusões estas que podem ser indicativas de que por maior que seja o amor (vida), sempre haverá um sopro (morte) rondando o amor. E por isso, o amor sempre estará ameaçado, sufocado pela incerteza se o seu sopro é de vida ou de morte.
Mas o amor, como diz o poeta, é troço de louco. Não obedece às normas habituais, não quer calmaria como muitos afirmam contrapondo-lhe a paixão. O amor não quer a morte, que viver, mesmo que para isso tenho que estar constantemente trocando rosas e socos.
Para Paulo Leminski o amor é incerteza, mudança constante, desencontros e instabilidade. No entanto, é algo que ainda vale luta. Lutar pelo amor é vê-lo de maneira bem-humorada. Em muitos de seus poemas Leminski usou do tom humorístico e provocador como instrumentos de contestação de valores históricos e morais da sociedade. Em Sufoco, o poeta lança mão do humor justamente para alertar a sociedade de que a única forma de se manter o amor vivo é através do riso. Rir nesse contexto significa assumir um posicionamento de combate à natureza inconstante do amor, significa querer amar, estar vivo, acima de tudo.
Segundo Tito Cavalcanti (2003), amar não é uma experiência tranqüila. A polaridade do ódio sempre ronda, tentando se impor. Por isso, é necessária uma atenção constante no cuidado e na natureza inconstante do amor, afinal, Afrodite (Deusa do Amor) não tem uma natureza muito plácida. Compete a todos numa relação amorosa encararem o amor de forma dinâmica, extrovertida e corajosa se quiserem sobreviver aos atropelos que muitas vezes são encontrados numa relação amorosa pós-moderna, atropelos estes que não são poucos: o amante, por exemplo, pode se envolver em brigas para defender a pessoa amada, pode ser traído, pode ser considerado infiel mesmo não sendo, pode ter que conviver com pessoas indesejáveis, como uma sogra ou um cunhado, dentre outras coisas.
o amor, esse sufoco
agora a pouco era muito
agora apenas um sopro
ah, troço de louco
corações trocando rosas e
socos
Neste pequeno poema composto de seis versos, têm-se características líricas e sentimentalistas, mas estas características não se mostram ortodoxamente como, por exemplo, nos poemas clássicos ou românticos a respeito da temática do amor. Em Sufoco, ousadamente, mistura-se amor e humor. Adentrando num tema tão caro a todos poetas, pode inferir que Leminski declara, entre linhas, estar “farto do lirismo namorador”, do amor idealizado, da versificação sobre a beleza da mulher amada. Diz um basta a tudo isso. O que ele versa é sobre os problemas do cotidiano, sobre o amor que dia e noite se debate entre “rosas e socos”.
Para uma melhor compreensão do poema, cabe ressaltar que o amor é, sobretudo, a pulsão fundamental do ser humano. Tudo existe em nome do amor, até mesmo, e, principalmente, o homem. E como nenhum indivíduo é igual ao outro, há diferentes formas de amor, mas todas estão ligadas a criação. Por criação, entende-se também o conceito dual de sopro. Um sopro é algo que dá vida, mas também é algo que tira a vida ou, no mínimo, macula aquilo que alcança (lembrar que o sopro humano é cheio de impurezas). Da associação amor e sopro, entende-se, portanto, duas alusões à vida, uma do amor e outra do sopro, e uma alusão à morte, ligada ao sopro. Alusões estas que podem ser indicativas de que por maior que seja o amor (vida), sempre haverá um sopro (morte) rondando o amor. E por isso, o amor sempre estará ameaçado, sufocado pela incerteza se o seu sopro é de vida ou de morte.
Mas o amor, como diz o poeta, é troço de louco. Não obedece às normas habituais, não quer calmaria como muitos afirmam contrapondo-lhe a paixão. O amor não quer a morte, que viver, mesmo que para isso tenho que estar constantemente trocando rosas e socos.
Para Paulo Leminski o amor é incerteza, mudança constante, desencontros e instabilidade. No entanto, é algo que ainda vale luta. Lutar pelo amor é vê-lo de maneira bem-humorada. Em muitos de seus poemas Leminski usou do tom humorístico e provocador como instrumentos de contestação de valores históricos e morais da sociedade. Em Sufoco, o poeta lança mão do humor justamente para alertar a sociedade de que a única forma de se manter o amor vivo é através do riso. Rir nesse contexto significa assumir um posicionamento de combate à natureza inconstante do amor, significa querer amar, estar vivo, acima de tudo.
Segundo Tito Cavalcanti (2003), amar não é uma experiência tranqüila. A polaridade do ódio sempre ronda, tentando se impor. Por isso, é necessária uma atenção constante no cuidado e na natureza inconstante do amor, afinal, Afrodite (Deusa do Amor) não tem uma natureza muito plácida. Compete a todos numa relação amorosa encararem o amor de forma dinâmica, extrovertida e corajosa se quiserem sobreviver aos atropelos que muitas vezes são encontrados numa relação amorosa pós-moderna, atropelos estes que não são poucos: o amante, por exemplo, pode se envolver em brigas para defender a pessoa amada, pode ser traído, pode ser considerado infiel mesmo não sendo, pode ter que conviver com pessoas indesejáveis, como uma sogra ou um cunhado, dentre outras coisas.
Fim de papo, por enquanto...
Conclui-se que, embora ainda pouco difundida e apreciada, a obra de Paulo Leminski é extremamente importante para uma melhor compreensão do mundo ocidental pós-moderno. Ao tratar do amor de forma tão inusitada e inovadora, Leminski ensina, como bom professor que também foi em vida, que a maneira mais inteligente do homem sobreviver é amando. E mesmo que amor seja muitas vezes um sufoco, o homem não deve desistir do amor, porque se assim o fizer estará desistindo de si mesmo. Lutar pelo amor com rosas, com socos ou com humor, tanto faz, o importante é lutar e se manter vivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BELL, Daniel. The Cultural Contradictions of Capitalism. New York: Basic Books Publishers, 1976.
CAVALCANTI, Tito R. de A. Poesia e Alma. Trabalho apresentado no III Congresso Latino-Americano de Psicologia Junguiana, maio de 2003, Salvador, Bahia. Disponível em http://www. rubedo.psc.br/artigodb/poesalma. Acessado em 10 de junho de 2008.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
DIAS-PINO, Wladimir. Processo: linguagem e comunicação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1973.
ECO, Humberto. Pós-escrito a “O Nome da Rosa”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
FILHO, Domício Proença. Estilos de Época na Literatura. 11. ed. São Paulo: Ática, 1989.
LEMINSKI, Paulo. Kamikase. Disponível em http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kami quase. Acessado em 08 de junho de 2008.
SANTANA, Simone. Um Agente do Riso. Disponível em http://www.nomeiodocaminho.com.br/ literatura/simonesantana/leminski. Acessado em 10 de junho de 2008.
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