O conto “Uma galinha”, de Clarice Lispector, pode ser considerado um texto figurativo, pois simula o mundo por meio das figuras da galinha, do ovo e do dono da casa, que são termos concretos, isto é, remetem a algo presente no mundo natural. Essas figuras encadeiam-se no texto com vista a manifestar um dado tema. Assim, conforme José Luiz Fiorin, “a compreensão desse tipo de texto passa pela apreensão dos temas subjacentes. São eles que dão sentido ao texto figurativo”[1].
No enredo do conto, tem-se que num domingo, a galinha escolhida para ser comida no almoço escapa do quintal e foge pelos telhados, perseguida pelo dono da casa. Este, afinal, alcança a galinha, levando-a de volta e colocando-a, com certa violência, no chão da cozinha, momento em que a ela, de susto, põe um ovo e se salva, já que a menina da casa, seguida do próprio pai, reconhece no ovo uma futura vida, único motivo para a sobrevivência da galinha.
No nível narrativo, ocorre a passagem de um estado de disjunção da morte, pois a galinha de domingo está viva (ainda viva), para um estado de conjunção com ela, quando, enfim, a galinha é morta. O desdobramento da narrativa é, portanto, realizado a partir das transformações ocorridas com a protagonista, isto é, a galinha, como a fuga/ perseguição o animal, a sua captura pelo dono da casa, o seu salvamento e a sua posterior morte. Nesse sentido, pode-se inferir que a transformação narrativa que ocorre no conto “Uma galinha”, embora, inicialmente possa ser a de aquisição da vida e, até mesmo, de certo status, a galinha tornara-se a rainha da casa, na verdade, o que ocorre é uma transformação do tipo perda, uma vez que a galinha é despojada da vida.
Observa-se que a narratividade, isto é, transformação de estado da galinha, do texto de Clarice Lispector aponta para a leitura de um tema subjacente. Esse tema é (numa leitura possível) o da condição feminina na sociedade. Escrito em 1960 e inserido no primeiro livro de contos da autora, Laços de família, o texto “Uma galinha” representa a situação feminina a partir da alegoria da figura de uma galinha. O encadeamento das figuras e a escolha de um conjunto de figuras lexemáticas especificas contribuem para essa leitura temática do conto de Clarice Lispector.
No texto “Uma galinha” há palavras e expressões que se aplicam à personagem galinha, mas que servem para caracterizar o sexo feminino. Impossível é não ler na figura da galinha a representação da mulher passiva e doméstica, que por vezes, hesitante e trêmula, sonha seguir outro rumo. A autora fala de uma galinha/ mulher estúpida, tímida e livre que tem que decidir por si mesma os caminhos a tomar sem nenhum auxílio de sua raça. A simbolização da condição feminina na sociedade é observada mais ainda se notarmos que o ovo salvador é como um filho prematuro e que a galinha nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada.
Nesse sentido, percebe-se que Clarice Lispector se utiliza tanto da figura da galinha quanto da figura do ovo para caracterizar o olhar que a sociedade tem da figura da mulher. A galinha é a representação da mulher enquanto ser passivo e doméstico que deve atender as necessidades do homem no sentido de lhe dar prazer e de procriação da espécie humana. É por isso que as expressões que caracterizam a galinha no texto, no mundo concreto são atribuídas à figura da mulher, quais sejam as principais: jovem parturiente, esquentando seu filho, correr naquele estado, rainha da casa e deu à luz.
Conclui-se, portanto, que o conto “Uma galinha” é uma texto figurativo, pois representa o mundo a partir da figura de uma galinha. E que o tema subjacente ao texto é o da condição feminina na sociedade, uma vez que as figuras do conto atestam uma comparação entre a galinha e a mulher.
REFERÊNCIA:
[1] FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto/ EDUSP, 1990.
[1] FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto/ EDUSP, 1990.